domingo, 30 de janeiro de 2011

O que é Mitologia? - Parte I

O Ovo Cósmico

Não é difícil gostar de mitologia, mesmo sem saber o que de fato ela significa. Eu mesmo aprendi a gostar aos seis anos de idade, depois de encontrar por acaso um livreto ilustrado que contava as desventuras de Ícaro e de seu pai, Dédalo, o famoso construtor do labirinto do Minotauro.

Foi amor à primeira vista. Desde então, não parei mais. Tudo que dizia respeito ao assunto e que cruzava o meu caminho era lido com tamanha atenção e paixão. Especialmente o livro “O Minotauro”, de Monteiro Lobato, um clássico da literatura infantil que narrava as peripécias dos netos de Dona Benta em passagem pela Grécia Antiga.  

Em seguida, vieram outros: algumas adaptações infanto-juvenis, o famoso Livro de Ouro da Mitologia de Bulfinch e os três preciosos volumes de Junito Brandão de Souza, que adquiri aos poucos e custosamente, juntando durante meses a minha minguada mesada de adolescente.
 
Mas valeu a pena. Pois foram os livros de Junito que me trouxeram um maior entendimento sobre o assunto e que despertaram em mim uma paixão avassaladora pela cultura e pela língua grega.
 
Até os meus quatorze anos, o que me interessou nesses livros foram as mirabolantes histórias, as lendas dos deuses e dos heróis. Os conceitos, as palavras difíceis eu deixei para lá, sem o cuidado de pesquisar e de encontrá-los em outras referências e fontes. Mas aos poucos comecei a perceber que a beleza do mito (grego) não estava apenas na maneira como as histórias eram contadas, mas também nos elementos, nos pormenores que buscavam reconstituir o modo de pensar e de ser de um povo que já não existia mais, mas que nos havia deixado um legado inestimável.
 
Termos como “hamartía”, “timé” e “apoteose” passaram a fazer sentido lentamente, iluminando as minhas ideias um pouco confusas sobre alguns comportamentos tomados pelos deuses e heróis dentro do mito. É claro que tudo isso pode ser descartado pelo leitor, mas acredito que seja ao menos interessante conhecer um pouquinho sobre essas particularidades do mito.
 
O próprio nome “Mito” já traz consigo uma polêmica. A palavra é usada como sinônimo de “ficção”, “mentira”, como o mesmo sentido que é empregada na palavra “mitômano” (aquele que tem a mania de mentir). Bem, se mito pode ser encarado como mentira, então é possível inferir que a Mitologia é uma grande mentira, a ficção, o fingimento de um povo, carente de fatos ou referências reais. Portanto, haveríamos de considerar o mito como uma fantasia, um devaneio, uma dissimulação da imaginação coletiva.
 
Felizmente não é bem assim. Apesar do desgaste que a palavra "mito" sofreu e a mudança de seu real significado, entender o conceito de mito é tarefa bem mais difícil, um verdadeiro trabalho de Hércules.
 
Uma ideia fundamental que podemos conceber sobre o mito é que ele é essencialmente uma representação imaterial, fruto de uma coletividade. É a narração de um evento ocorrido nos “primeiros tempos” que, por interferência do sobrenatural, passa a se transformar numa nova realidade, ou seja, passa a ser organizada.
 
O mito não é uma farsa. É, portanto, uma realidade que não deve ser estigmatizada pela perspectiva contemporânea. Deve, por isso, ser vista através dos olhos dos homens antigos que lhe conceberam. Nós também temos os nossos mitos, embora finjamos não os reconhecer.
 
Buscar entender o pensamento do homem antigo é o primeiro passo para nos aproximarmos do mito, sem preconceitos ou juízos de valor.